terça-feira, 4 de maio de 2010

O Berto Chapeiro

A Joana andou no mesmo curso que eu. Era (e ainda é) daquelas mulheres que não passam despercebidas em lado nenhum. De enormes cabelos castanhos escuros, soltos pelas costas e roupa chamativa, para não dizer... humm... provocante, definitivamente qualquer pessoa dava pela sua presença, e muito mais depressa se essa pessoa fosse do género masculino. Os homens paravam boquiabertos a vê-la passar. Mas, ela, para além de não os ver bem, porque era de facto muito míope e sempre fez questão de andar sem óculos na rua (uma vez confundiu um cão Grand Danois, que trazia na boca uma saca plástica, com a... mãe - isto é a mais pura das verdades!), pouco lhes ligava, porque como dizia, gostava de “carne tenrinha e macia” e nisso, como ela também dizia, “estava muito bem servida”. Na altura, a Joana namorava com o Berto Chapeiro (o apelido fomos nós, as amigas, que lhe colocamos - ele era Adalberto e nesse tempo trabalhava numa oficina bate-chapas), rapaz uns anos largos mais novo que ela e com muitos menos estudos, mas dono duns olhos azuis lindíssimos, corpo bem musculado e que ela tinha conquistado (sim, ela!), à custa duns bons cálices de Porto, porque o rapaz para além de novinho era tímido. Muito se fala na brutalidade e no linguajar pouco abonatório dos chapeiros, mas o Berto, o dito cujo Chapeiro, quer fosse por conta da paixão que já lhe ardia na alma, quer fosse por conta da aparência imponente e intimidatória daquela mulher-furacão, não havia meio de lançar um piropo mais atiradiço, nem tão pouco tomar qualquer iniciativa, para além duns silenciosos olhares compridos e melosos na sua direcção. E a Joana, que não era (e continua a não ser) mulher que se deixe vencer pelos obstáculos, ao intuir que daquela timidez saía pura chama incandescente e fartinha de esperar algo mais do que olhares derretidos, não foi de meias medidas e toca de convidar o Berto Chapeiro para jantar lá em casa. Dado que o rapaz era assustadiço há que convidar uma amiga para a coisa não parecer muito descarada e dar um ar sério ao convite. Ora bem, a Joana nunca foi muita dada às culinárias, mas nesse dia esmerou-se, tirou da gaveta o livro de receitas, que a mãe lhe havia dado uns anos atrás, na esperança de ver na sua filhinha a perfeita imagem de uma menina casadoira, e seguiu direitinho as instruções. A coisa não deve ter corrido mal, porque nenhum dos dois convivas teve qualquer tipo de reacção alérgica ao jantar. A noite corria fluída, no entanto, o Berto Chapeiro continuava sem dar mostras do fogo que o queimava por dentro. Já que o vinho do jantar não dava sinais de ter tido qualquer efeito no estado do rapazinho, a Joana não foi de ameaças. Convoca a amiga para uma reunião de emergência na cozinha e dá-lhe a seguinte instrução:
Três na sala começa a ser uma multidão. Ficas aqui a lavar a loiça do jantar, depois dizes que tens de chegar cedo, porque se não a tua mãe lixa-te o juízo e pisgas-te para casa, ok?
A amiga deve ter percebido que não valia a pena desobedecer e lá cumpriu a ordem de imediato. Depois da louça lavada e arrumada a amiga despediu-se de ambos e meteu pernas ao caminho. O rapaz solícito, ainda lhe disse que a acompanhava a casa, pois a hora era já um pouco tardia, mas sob o olhar fulminante de Joana, a amiga recusou delicadamente dizendo que morava pertinho pertinho, já ali ao virar da esquina... Entretanto, na sala de estar, já os dois sentados no sofá, a Joana oferece um cálice de Porto duma colheita especial, ao Berto Chapeiro e serve um outro cálice para si. O rapaz que nem era muito de Portos, lá bebe só para não fazer a desfeita. E a Joana decide brindar a tudo o quanto lhe vem à cabeça e, no entretanto, vai servindo o moço, que ao 5º brinde começa a mandar a timidez para as malvas e a encostar-se ao decote cavado da blusa justa da Joana, a qual aproveita a distracção do Berto Chapeiro para despejar o conteúdo do seu cálice no vaso da orquídea que adornava a mesinha de apoio. No final do 14º brinde o Berto Chapeiro já vê duas Joanas e pensa feliz que entrou no Céu, pois se uma Joana era a felicidade maior, duas irmãs gémeas é a bênção suprema! E então poder ter os beijos e os amassos das duas, Meu Deus... que mais poderia ele querer? É claro que o Berto Chapeiro já não saiu lá de casa e permaneceu na vida da Joana durante muitos anos até. Tudo isto prova que casais improváveis existem e resistem à adversidades. Houve apenas um senão, nesta história. Aliás, dois: o pai da Joana estranhou o desaparecimento da sua melhor garrafa de Porto e a morte súbita e de causas desconhecidas da planta preferida da mãe...

sábado, 1 de maio de 2010

Is My Generation Really Weird?

A ideia começou a germinar em Dezembro do ano passado, no dia do aniversário de uma grande amiga minha, onde tivemos oportunidade de reunir o núcleo duro do nosso círculo de amizades, o qual vem já dos tempos da pré-história, quando éramos ainda todos muito tenrinhos, estudantes e com um mundo novinho em folha à nossa frente, pronto para ser explorado.
Ao recordar, nesse dia, as peripécias em que acabávamos sempre por nos meter, quer fizéssemos por isso ou não, não conseguimos evitar de rir até às lágrimas, sem fôlego e com o meu filho, que me tinha acompanhado, a pedir-me: “mãe, tens de escrever sobre isto”.
A semente deste blogue andou a maturar até agora, à espera de balanço interior para nascer na altura certa. É claro, que todos os jovens têm todos o seu período de loucuras, graças a Deus! Quem nunca cometeu excessos, nos seus tempos de teenager inconsciente, ou até mais tarde, que se levante e atire a 1ª pedra (se, entretanto, esta ainda não tiver sido queimada para fazer algum charro...), mas o que precipitou o seu nascimento foi uma notícia publicada a 24 de Abril (há uma semana atrás, portanto), no Jornal de Notícias, que dava conta do regulamento criado este ano pela Federação Académica do Porto para a Queima das Fitas, o qual obrigava os fotojornalistas a entregarem uma cópia do seu trabalho à FAP de toda e qualquer foto efectuada dentro do Queimódromo (ou deverei chamar antes Cabródromo, tendo em conta à quantidade de bebedeiras de caixão à cova que por lá andarão a vomitar nestes dias?). Não achando suficiente, a dita FAP considerava a credencial de acesso ao recinto a facultar aos jornalistas uma forma de pagamento para a cedência das referidas cópias. Resumindo: “ou te comprometes a deixar aqui as cópias das fotos e permites-nos que censuremos o teu trabalho ou não te damos a credencial para entrares”.
Não quero discutir e nem vou entrar na questão se é ilegal ou não tal posição, porque, na minha opinião, acaba até por ser um ponto acessório. O que esta tentativa da FAP me parece é uma atitude sintomática dos tempos presentes, em que se querem cometer excessos, mas continuar com a “folha limpa”. Beber até fazer figuras tristes, mas continuar com a imagem impoluta de menino(a) bem, de quem não quebra um prato, mesmo que no auge duma bebedeira tenha decidido mostrar a partes pudibundas para quem lhe apeteceu ou outras atitudes muito mais extremadas, pois na atordoação dos vapores etílicos se esqueceu que estava num local público, porque quer a FAP queira ou não queira o Queimódromo, não sendo um local de acesso gratuito, não deixa de ser um local público.
Todos nós temos consciência dos excessos cometidos nestes dias (e noutros também) pelos jovens, universitários ou não. Como já escrevi, todos nós já passamos por isso duma forma ou de outra. Parece-me, no entanto, sinal dos tempos presentes que se queiram cometer excessos, mas não se queiram responsabilizar por eles, como se o facto de não haver provas apagasse o acto em si. Não será de admirar que na geração em que tudo é criado para alcançar a imagem ilusória da perfeição, desde corpos esculpidos a bisturi e a cânulas de lipoaspiração, e de mamas retocadas com silicone, até à recriação fabulástica da vida amorosa/social/profissional/financeira por forma a ser digna de vir esparramada ao sol em capas de revista como modelo a seguir(?), se queira também retocar com Photoshop o ar estonteadamente embriagado na Queima das Fitas. Na impossibilidade de retoque, é sempre possível fazer delete à dita foto e dizer que o ficheiro foi atacado por um qualquer vírus informático. E a FAP achar-se no direito de exigir isto, é outro sinal dos tempos que correm, em que não só pretendem ocultar os excessos como também se acham no direito de os ver ocultados.
A conclusão a que chego é que há algo de fundamental a distinguir a minha geração desta, a qual, a esta hora, se prepara para mais uma noite de desbunda total: a minha assume as asneiras que faz, esta não só não as assume, como ainda tem a lata de as querer ver bem escondidas (ou melhor será dizer apagadas?), não vá a loucura da noite aparecer escarrapachada no You Tube ou, pior ainda, ir parar ao e-mail dum futuro empregador de alguma multinacional, que não quererá por certo empregar alguém que não seja um sacana tão hipócrita quanto ele.